Mesmo produtos e serviços considerados de boa qualidade hoje poderão deixar de atender às expectativas do consumidor no futuro, exigindo investimentos em inovação e qualidade.
por Márcio Migues
Muitos fabricantes de veículos já adotaram o principio de construir carros globais, reservando a centros regionais o papel de adequar detalhes dos projetos às legislações locais e a preferência do mercado. Dentro da ciranda de produção que leva à troca de componentes entre fabricas de diversos países, a qualidade tornou-se, necessariamente, referência comum a ser obedecida. Existem dificuldades a ser superadas nesse processo, como a disseminação e a uniformização de normas e padrões entre países e fabricantes de componentes e veículos. O Brasil aparece em destaque nesse cenário, depois de conquistas expressivas obtidas a partir da década de 90, quando a superioridade tecnológica dos veículos asiáticos, europeus e norte-americanos que passaram a desembarcar no Brasil a partir de 1991, ano da fundação da SAE BRASIL, era enorme em relação aos nacionais.
Para competir com os importados, a indústria local traçou planos para alcançar um patamar internacional de qualidade. As pressões dos consumidores, atraídos pela inovação vinda de fora, aceleraram o fim das carroças a que o presidente Fernando Collor de Mello se referiu para a abertura de mercado.
Os fabricantes de componentes de veículos investiram pesado em tecnologias e receberam bem o Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade, para modernização das empresas e adoção de metas atreladas á produtividade e á qualidade. Na produção de veículos, qualitativamente o Brasil já se alinha aos padrões existentes nos países desenvolvidos, graças à concorrência entre marcas, que leva à evolução dos produtos e serviços.
Criado em 1995, o Instituto da Qualidade Automotiva (IQA) representou um marco para o desenvolvimento do parque industrial, com a proposta de ser um balizador da qualidade para o setor automotivo, tanto no relacionamento entre empresas quanto em seus impactos para a sociedade, sem fins lucrativos. O instituto foi resultado do movimento entre as Câmaras Setoriais, o programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade, a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Sindipeças), com o apoio da então ministra da Indústria e Comércio, Dorothéa Werneck.
Outras entidades entraram posteriormente no processo e foram delineados os princípios para atender às necessidades de fabricantes e consumidores de forma neutra. O setor automotivo defendia a obrigatoriedade de certificação dos itens de segurança, começando por pneus para chegar depois a suspensão e eixos, sistemas elétricos e demais partes dos veículos. Com o intuito de garantir a aplicação do estado da arte em qualidade no País, as empresas nacionais solicitaram ao IQA a construção de parcerias com entidades internacionais de referência.
Com a crescente atenção de competidores internacionais pelo mercado brasileiro, que levou a volumes crescentes de importações irregulares, o governo busca intensificar agora a luta contra a pirataria e oferta de peças de qualidade inaceitável ou sem conformidade com os padrões locais. Faz parte desse esforço, que valoriza o fabricante brasileiro e as boas práticas, a certificação de produtos automotivos.
Produtos e serviços considerados de boa qualidade hoje poderão deixar de atender às expectativas do consumidor no futuro, exigindo investimentos em inovação e qualidade. No primeiro momento houve um movimento para superar defasagens em relação ao exterior. Agora a corrida é para superar expectativas e criar diferenciais. As montadoras investem mais em tecnologias, produtos e qualidade dos processos - e puxam o restante da cadeia.
Vinte anos após a abertura às importações, a palavra qualidade ganhou novos significados. Há pouco mais de quarenta anos ela refletia a produção de um bem adequado ao uso. Hoje o conceito se estende à gestão do negócio, aos sistemas para garantir a qualidade de um produto, à certificação de desempenho e, ainda, aos serviços de oficinas e concessionárias. Isso tudo sem falar da certificação ambiental, que também já faz parte de todas essas exigências.
Com o Código de Defesa do Consumidor, o fabricante, entendido como a parte mais forte na relação comercial, era obrigado a provar que o produto funcionava corretamente ou seria multado. Hoje em dia a relação funciona de maneira inversa. Não havia ainda organismos como a Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon), o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e outros que agora contribuem para o aperfeiçoamento das relações entre fabricante e consumidor, bem como uma delegacia de proteção e defesa do consumidor estruturada e atuante com a função de fiscalizar essas relações.
Por exigência das empresas ativas na cadeia, por meio de suas entidades representativas, a certificação deve cada vez mais ser reconhecida como ferramenta de proteção do setor automotivo e do consumidor. Esse reconhecimento garante padrões mínimos de desempenho, que não são relativos à excelência, mas ao padrão necessário para o produto funcionar e a empresa produzir. Quando a empresa não alcança a certificação de uma peça, é sinal de que o produto não tem bom desempenho de qualidade. A mesma coisa vale para a gestão. Ou seja, a empresa deve cumprir os padrões mínimos pata atender a crescente satisfação ao cliente.
Márcio Migues é diretor-presidente do IQA - Instituto da Qualidade Automotiva e diretor da Qualidade Mercosul da Renault do Brasil (iqa@iqa.org.br)
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